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sexta-feira, 18 de maio de 2018

Gestech


Atravessar um corredor da antiga FIL, agora centro de congressos de Lisboa, rodeado destes belos cartazes. Há verdade nesta publicidade, estas tecnologias são tendências que já se sentem hoje. O evento Gestech, onde estive presente na passada terça-feira, pretendia ser um encontro virado para diretores e gestores técnicos escolares, onde se exploraria os impactos, ferramentas e possibilidades destas tecnologias na gestão escolar. 


Proposta sumarenta, mas como demasiadas vezes nestes tipo de eventos, a discussão ficou muito aquém do projetado.

Sim, é verdade, mas é banal repetir este tipo de chavões de forma acrítica, sem explicitar como é que essa coisa da transformação digital irá realmente melhorar aprendizagens.


Depois de lutar contra o sistema de transportes lisboeta (chegar à antiga FIL implicou um autocarro, metro e comboio), cheguei a tempo de assistir ao discurso de abertura da ministra da modernização administrativa. O âmbito deste encontro era o de discutir o papel das tendências tecnológicas na gestão educativa, mas como é habitual nestas coisas, a discussão fugiu para o domínio da pedagogia. É bastante doloroso ouvir responsáveis governamentais de áreas não educativas a falar das maravilhas das TIC na educação, de formas superficiais, mostrando deslumbre e uma certa visão inocente de potenciação de aprendizagem pela mera exposição ao digital. Dica importante, para todos os não especialistas que gostam de opinar sobre TIC e educação: usar a expressão nativos digitais é descrédito automático. Até Marc Prensky, o seu criador, a renegou. O discurso da ministra referiu-os muitas vezes. Sublinhe-se que ao falar do impacto da inteligência artificial, machine learning e big data na governabilidade e serviços públicos, mostrou que compreendia perfeitamente o potencial destas tecnologias.

Mas pronto, fala-se de tecnologia na educação, e em vez de se manterem no contexto específico do evento, todos decidem tornar-se treinadores de bancada. Pode sempre ser pior. Uma coisa para a qual já não tenho paciência, é ouvir comentários sobre a extraordinária proficiências das crianças de hoje para a tecnologia, baseada na experiência do comentador com o filho ou o sobrinho que mexe muito bem com o telemóvel. Sim, isso foi comentado nalguns dos painéis de discussão. Não, estas opiniões esparsas e pessoais não têm nada a ver com tecnologias bleeding edge aplicadas aos serviços públicos. É por estas que a minha confiança na validade destes eventos é muito baixa.

Fiquei especialmente irritado com a intervanção de um responsável da OCDE. A apresentação seria sobre TI e gestão educativa, mas resvalou para o digital na educação. Sublinhou o papel dos professores, desmistificou as estatísticas que mostram relações negativas entre uso do computador e desempenho escolar (o uso, disse-nos, é um conceito demasiado generalista e não se centra no uso pedagógico de tecnologias. No entanto, houve um pormenor que me tocou negativamente. É sempre cansativo ouvir responsáveis (da OCDE, neste caso) falar de TIC na educação como pesquisa, colaboração, laboratório virtual... e nunca como ferramenta de criação. Um enviesamento, que traduz uma visão do sistema de ensino que continua a ser de introdução de conhecimentos na cabeça dos alunos, apesar de todos os discursos de competências em ambientes high tech. Creio que quem o tem nem se apercebe disso. São gestores, economistas, analistas, académicos. Analisam estudos e tendências, processos e sistemas. Para eles, tecnologias de informação são em essência processamento de informação. Se lhes pedem para extrapolar para a educação, é isso que sentem ser importante, porque é o que para eles tem significado. Eu conheço o meu viés, qualquer tecnologia ou ferramenta digital que não possa usar para desenhar, pintar, modelar ou outras, o meu primeiro instinto é pensar isto é-me inútil. Mas obrigo-me sempre a perguntar e para os outros, os colegas e alunos? Não posso reduzir as tecnologias na educação apenas à área que me apaixona.

A manhã continuou com uma curiosa apresentação da CIO da cidade de Estocolmo, que falou da visão digital trazida pelo seu município, com implicações na educação, como informação em tempo real aos pais, programação e robótica nas escolas primárias, ou uso de inteligência artificil para detetar dificuldades de aprendizagem. Interessante, mas ficou a faltar o como, que ferramentas e estratégias foram utilizadas.

Houve ainda um painel com três responsáveis de serviços públicos que se desviou de tal forma do tema em debate que me pareceu ser uma versão funcionário público do sketch The People's Front of Judea do filme The Life of Brian dos Monty Python. Ou episódio de Yes, Minister, com atores e argumentistas alcoolizados. O tema tinha o pomposo nome de "Novos Modelos de Governance na Administração Pública", mas ninguém falou realmente disso.


A tarde prometia melhor. Selecionei a sala que me levaria a ouvir a palestra Big Data in Education e uma apresentação do projeto Escola 360. A palestra foi uma desilusão. Superficial, cheia de chavões, claramente um pitch que nem sequer foi adaptado ao público do evento. Só destaco um slide, desconsiderado pelo apresentador como demasiado técnico para vocês, mas que detalha as tecnologias que permitem extrair informação das quantidades massivas de dados que produzimos. É um tema interessante, mas falar dele com buzzwords e generalidades não nos leva a nada.

O Escola 360 promete agregar numa só base de dados a informação de todos os alunos do ensino básico. Percebi que surgiu como forma de resolver um problema de uma entidade do ministério, a MISI, que se dedica a dados estatísticos. Cansados de recolher informação a partir de diferentes bases de dados, de uma forma pouco fiável, optaram por avançar com uma aplicação que substitua todas as correntes aplicações de gestão de alunos. Poderiam ter criado uma API para sincronizar aplicações nas escolas, com os servidores locais a comunicar com os seus, e criar protocolos que uniformizassem os formatos de dados a transferir. Mas não, e o que está criado, tendo em conta a sua real utilidade, parece estranho na forma como se sobrepõe à gestão local das escolas, e armazena informação que parece excessiva. Qual é o objetivo de registar sumários de aulas em bases de dados centralizadas à escala nacional? No entanto, quer em termos de desenvolvimento da plataforma quer das suas reais capacidades, ela parece ter ainda muito caminho a percorrer antes de ser generalizável.

Como saldo final da Gestech, digamos que valeu pela experiência. O que realmente estaria em discussão não o foi, ou foi abordado de forma superficial. Pelo menos registo a preocupação dos responsáveis do sector público em tirar partido do potencial da IA/big data/machine learning.

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