Vão ter de me perdoar pela simplicidade destes projectos incompletos. São registos de um primeiro passo, quer meu quer dos alunos, e surpreenderam-me pela facilidade com que estes depressa ultrapassaram o pouco que lhes podia ensinar. Atingiram aquele que é o meu principal objectivo: criar, com autonomia, em meios digitais.
São jogos, baseados numa experiência que fiz em formação e que levei directamente para a sala de aula. Fiquei espantado pela capacidade que a maior parte dos alunos teve em ir mais além do pedido. A ideia era criar uma pista para automóveis mas saiu um pouco de tudo. Labirintos, plataformas, portais, que demonstram a colisão entre criatividade e cultura de jogos. Habituados aos jogos digitais, não foi difícil para a generalidade dos alunos imaginar para além do previsto.
Outra coisa que não cessa de me surpreender é como a utilização do Scratch inverte expectativas. O 3D já permitia uma grande latitude de intervenção mas aqui os limites esbatem-se. Algo que sinto com isto (e corrijam-me se estiver errado) é que não é essencial que o professor conheça a fundo a ferramenta para a poder ensinar. Basta não ter medo, e a simplicidade e modularidade da linguagem conjugadas com a criatividade das crianças e a diversidade de recursos pesquisáveis fazem o resto. Percebi que nesta abordagem o desejável é que cada pergunta dos alunos tenha como resposta não uma receita mas sim nova pergunta. Ou pondo de outra forma, quando nos perguntam
como fazer, em vez de dizer como, devolver com um
como é que achas que poderia ser? Vamos pensar. Vamos experimentar.
Com o 3D, vídeo e imagem não me atreveria a isto, até porque o nível de complexidade das aplicações obriga a que se tenha conhecimentos de alguma profundidade. Aqui o desafio é desmistificar e abrir espaço
à criação, e conseguindo-se os alunos, como sempre, surpreendem. Mas com o Scratch algo diferente acontece. Posso ficar deslumbrado ao acompanhar os alunos nos seus processos de criação em 3D (e, acreditem, é algo fascinante de ver) mas com o Scratch o pensamento por eles desenvolvido é palpável. Sente-se no ar. Nota-se pelo olhar concentrado, pela forma como pensam em voz alta, pelo tempo que não se dá por passar.
Confesso que hoje me senti ultrapassado pelos meus alunos. Senti que aprenderam para lá do que eu tinha para ensinar. E isso é uma sensação tão, mas tão boa. Percebe-se que se atingiu o principal objectivo, abrindo horizontes. Vou cair num lugar comum. Falamos tanto de como é importante que os alunos ganhem asas e voem, mas neste sistema progressivamente opressivo quantas vezes temos oportunidade de sentir que realmente contribuímos para isso? Cada vez menos, penso honestamente.
O que não significa que abandone o 3D. Outra das alegrias da aula de hoje foi um aluno a propor como seu projecto final um mundo virtual tridimensional. Scratch, 3D e multimédia são as vertentes de abordagem que escolhi numa aproximação ao uso criativo das TIC. Por vezes penso que deveria reduzir a abrangência, mas o que realmente pretendo não é gerar artistas 3D, videógrafos exímios ou criadores de jogos, mas estimular novos horizontes nos meus alunos. Abrir, como dizia uma antiga minha professora de psicologia, gavetinhas mentais. E depois cabe a cada um fazer o que quiser com o que aprendeu. É um direito e necessidade de individualidade.