Neste ano letivo de 2020-2021, tomámos na escola onde lecciono uma decisão arriscada. Para diminuir as deslocações de alunos dentro do espaço escolar, disciplinas que requerem uma sala específica passarão a desenvolver as suas atividades na sala de aula regular dos alunos. Após análise das condições da sala de TIC, optámos por alinhar a disciplina com esta medida, recorrendo ao acervo de dispositivos móveis da escola, e a estratégias BYOD. Foi desenvolvida uma reflexão sobre que aplicações móveis poderão ser usadas para desenvolver as atividades previstas na planificação da disciplina.
No passado dia 18 de setembro, participámos das Conversas de Informáticos dinamizadas pela ANPRI, com o tema Ideias, Estratégias, Aplicações e Atividades para Dispositivos Móveis, onde se partilharam estas ideias sobre trabalhar TIC sem computadores.
Entretanto, o recurso Aplicações ou ideias de atividades para dispositivos moveis ou ideias atividades sem computador para disciplina de TIC, um padlet colaborativo criado pela Fernanda Ledesma, em que se pode descobrir ou sugerir aplicações e atividades, está a crescer em conteúdos, todos contributos para estratégias e atividades.
Motivação
Porquê partir para uso exclusivo de dispositivos móveis? Esta ideia surgiu ao analisar as condições da sala TIC de que dispomos, e perceber que adaptar o espaço para as regras sanitárias iria implicar reduzir ainda mais o número de equipamentos disponíveis. Perante a impossibilidade de desenvolver trabalho a pares (que, sejamos honestos, tem a colaboração como consequência mas serve mais para mitigar a falta de equipamentos como causa), o que fazer com os alunos impossibilitados de usar computador? Percebemos que teríamos de recorrer aos tablets da escola, e a iniciativas BYOD. O que levou a conclusões lógicas - se um dos princípios que estrutura o novo ano letivo é o de reduzir a deslocação dos alunos dentro do espaço escolar, como forma de mitigar riscos de contaminação, e percebendo que dentro da sala específica já se teria de trabalhar em dispositivos móveis, então porquê manter uma sala específica? Assumimos que este ano letivo nos adaptamos a uma situação de contingência, sublinhando que é uma medida extraordinária, e não uma visão de futuro (no sentido de renovação ou regressão) para a disciplina. No contexto específico da escola onde trabalho, foi uma contribuição para as soluções possíveis que tivemos de encontrar para o problema impossível colocado pela adaptação à covid-19, com todas as condicionantes que a tutela nos colocou.
Foi uma decisão pensada e refletida. Que assume que terá consequências na riqueza das aprendizagens dos nossos alunos. Se por um lado percebemos que as capacidades dos dispositivos móveis e apps permitem voos surpreendentes, por outro muito irá ficar para trás. Robótica, por exemplo, ou programação de objetos tangíveis, que terão de ser trabalhadas virtualmente. Ou a capacidade de fluência digital, de conhecimento e gestão de diferentes interfaces.
Assumo que nas vossas escolas linhas de raciocínio similares levaram a esta conclusão - desmaterializar TIC usando dispositivos móveis. Cada escola tem as suas condicionantes e lógicas internas, espero que as que tenham levado à decisão de abordar TIC usando apenas dispositivos móveis tenham sido bem refletidas. As nossas foram.
Metodologia
Se dispomos de um acervo razoável de tablets, estes não são os suficientes para cobrir uma turma, apesar da direção estar a tentar fazer investimento em dispositivos. Acresce a isso a necessidade de manter as regras de sanidade, com a desinfecção constante dos equipamentos. Pensámos por isso em adotar uma estratégia BYOD, reservando os equipamentos da escola para dar resposta às inevitáveis situações pontuais de falta de equipamento, ou para os alunos com necessidades económicas que não têm acesso a equipamentos. Entretanto, ainda sem saber muito bem como se processará a distribuição de equipamentos do plano de capacitação, ressalvámos que pelo menos no 2º ciclo, o BYOD de dispositivos móveis será mantido mesmo que aos alunos sejam fornecidos computadores. Um pouco para prevenir inevitáveis acidentes.
Não podemos ainda observar que esta política será bem sucedida ou não, mas no rescaldo das reuniões de DTs com EEs não nos chegaram observações de recusa desta política. É um sinal positivo, e nestes dias, trabalhamos com o que podemos.
Algo que optámos por deixar claro nas indicações é que BYOD não significa aquisição de equipamento específico. Indicamos preferência por tablet, pelo tamanho do ecrã, mas ressalvámos que se tentará trabalhar com o que o aluno tiver disponível. 2020-2021 será um ano de sacrifícios, e não é nosso objetivo onerar ainda mais as famílias.
Um pormenor curioso - há um ano atrás, nos conselhos de turma intercalares, os meus colegas e EE discutiam acaloradamente essa coisa da praga dos telemóveis com os meninos de quinto ano, que passavam os intervalos agarrados a esse objeto que lhes roubava a interação. Alguns sugeriam a proibição tout court desses dispositivos. Este ano, em muitos CTs foi referido que também estavam a equacionar a sua utilização nas suas disciplinas.
Apps
No que toca à seleção de apps (e respetivas atividades), percebemos que o mais importante é não ceder à tentação da diversidade. O mundo android está cheio de aplicações, à medida que se ia experimentando percebemos que era mais importante o foco nalgumas apps, para estruturar atividades mais ricas, do que os dispersar a nossa atenção (e a dos alunos) com muitas apps promissoras.
Após análise às aprendizagens essenciais, conjugada com planificação de TIC da minha escola, decidimo-nos por num conjunto restrito de apps. Reconhecendo, claro, que ao longo do ano, com o decorrer dos projetos, outras poderão ser utilizadas. Que os próprios alunos poderão sugerir. Na verdade, algumas das apps desta lista chegaram ao meu conhecimento indicadas pelos meus alunos. Em seguida, apresentaremos as nossas escolhas, razões da selecão, e ideias de atividades. Nota: por inerência, trabalho com o segundo ciclo, as aplicações, ideias e metodologias estão mais aprofundadas neste do que no respeitante ao terceiro ciclo.
Algumas app parecem-nos ser transversais. São potencialmente utilizadas em todos os anos e ciclos. Incluem-se nestas as apps de acesso a plataformas e à gestão e produção de documentos.
Moodle: é o LMS usado no nosso Agrupamento, e desde os tempos do confinamento que incentivámos os nossos docentes a otimizar as suas atividades para acessibilidade em dispositivos móveis.
Ferramentas de produtividade: coordenamos as apps selecionadas com a Gsuite for Education do Agrupamento. Todos os alunos dispõem de acesso, o que lhes permitirá usar estas aplicações para desenvolver trabalho em qualquer disciplina, não só TIC. Com a Google Drive gere-se arquivo e partilha de documentos. Com o Documentos do Google daremos resposta aos projetos que requeiram processamento de texto (pesquisas direcionadas no Europeana ou outros recursos, com elaboração de registo da pesquisa, por exemplo). O mesmo para todo o tipo de projetos que utilizem apresentações, com o Google Slides. Para trabalhar com folhas de cálculo, já no sexto, usaremos a Google Sheets
Em atividades de pesquisa, sugerimos o uso de um navegador não nativo, como o Chrome ou Firefox. Mas o seu uso não se esgota na pesquisa. Por exemplo, podemos abordar a programação de objetos tangíveis usando o Makecode para Micro:Bit, que funciona muito bem em dispositivos móveis. E, em qualquer android compatível com OTG, pode-se ligar uma placa Micro:bit com adaptador OTG para correr o programa criado (ou usar o envio via bluetooth.
5.º Ano:
O Scratch é a grande ferramenta para exploração de atividades ligadas à programação e pensamento computacional. No entanto, á sua versão Android apenas funciona em tablets com ecrãs de 9/10, e mesmo assim os menus, opções e blocos são de difícil visibilidade. Aceder via navegador também não é opção, o Scratch não se ajusta ao tamanho dos ecrãs.
Para substituir o Scratch, optámos por duas aplicações que também exploram a programação visual. Scratch Jr. e Pocket Code. Se vos parecer estranho estar a incluir uma aplicação pensada para crianças muito pequenas numa listagem para o quinto ano, percebemos durante o confinamento que era uma boa ferramenta para permitir aos alunos mais fracos, ou com NEE, experimentar atividades de programação e pensamento computacional. É possível exportar um projeto desta app para importar para outro dispositivo. Tem alguns problemas - se o aluno fizer um projeto complexo, é provável que ao exportar a app gere um ficheiro com erros (no confinamento, contornamos isto pedindo aos alunos que a usaram para partilhar capturas de ecrã em imagem ou vídeo).
Há diversas apps que fazem o mesmo que o Scratch, boa parte delas pagas. A que nos pareceu mais interessante foi a Pocket Code. Por ser gratuita - é um projeto sustentado por universidades europeias e americanas, centrado no Instituto Técnico de Graz. Mas o principal pormenor é ter sido concebida para ecrãs pequenos. A maior parte das apps de coding segue o interface do Scratch, que não se adapta bem a ecrãs diminutos (testámos várias, a mais recente sendo uma versão android da Pictoblox, ainda em early access, que consegue transformar o interface do Scratch para se tornar mais acessível em pequenos ecrãs). O interface da Pocket Code pode parecer um pouco confuso - não tem um ecrã único onde se pode usar blocos, sprites e cenários, bem como visualizar os resultados da programação. Está estruturado em diferentes ecrãs. É por isso que se torna adaptável.
Confesso que esta é a app que estamos neste momento a investigar mais a fundo. Não é um clone secundário do Scratch, é tão rica quanto este nas suas potencialidades. E tem algumas que não estão presentes no Scratch - na programação, podemos tirar partido dos sensores e componentes específicos do telemóvel (acelerómetro, toque no ecrã, entre outros.
O que fazer com o Pocket Code? Essencialmente, o que se faria com o Scratch - desenvolver pequenos algoritmos, criar jogos, ou narrativas digitais. Pessoalmente, gosto muito de programas que gerem desenhos algorítmicos (é uma forma de cruzar matemática e educação visual).
Até agora, deparámos com dois problemas: importar recursos (atores e cenários) obriga a uma ligação à internet (por outro lado, podem ser desenhados pelos alunos). Não é muito clara a forma de partilha de projetos, se bem que esta é mais uma questão de metodologia do que técnica.
6.º ano:
Folhas de Cálculo do Google: para introdução às folhas de cálculo, prevista nas aprendizagens deste ano de escolaridade.
Para programação de objetos tangíveis, temos duas opções: OpenRoberta e MakeCode. Ambas funcionam muito bem usando um navegador. O Open Roberta tem uma aplicação específica para android, o que permite desenvolver projetos sem necessidade de recorrer à internet. O MakeCode não tem app específica, mas é acessível via navegador. Um truque interessante: aquando do primeiro acesso, os recursos do Makecode ficam em cache, o que significa que se pode trabalhar offline usando o navegador. Com o Makecode podemos programar placas micro:bit, e enviar o programa para a placa usando BLE ou cabos OTG. A desvantagem desta estratégia é ser uma forma virtual de explorar robótica e placas, mas isso é uma das grandes condicionantes deste ano.
7.º ano:
No ano dedicado ao multimédia, o problema é restringir as apps a usar. O número de aplicações para edição de imagem e vídeo na Playstore é enorme. Para 3D, nem por isso.
Para 3D, temos já uma larga experiência de trabalho com a 3DC.io. Esta app permite modelar por primitivos em dispositivos móveis. É muito simples de usar, e bastante potente. A principal vantagem é trabalhar totalmente offline e não depender de contas de utilizador. É possível fazer introdução ao 3D usando esta aplicação.
Para quem usa o Tinkercad como ferramenta de modelação 3D, uma dica: não existe aplicação para android, mas o interface de modelação 3D também está concebido para utilização por toque. É possível usar o Tinkercad para modelar em 3D, mas terá de ser num dispositivo com ecrã de grandes dimensões.
Da enorme diversidade de apps de edição de imagem, selecionamos a Photoshop Express para trabalhar com os alunos a edição de imagem. Aqui, o campo é riquíssimo, há uma diversidade enorme de apps que permitem trabalhar com edição de imagem, desenho digital, pintura digital, desenho vectorial ou aplicação de efeitos. Se pedirem a opinião aos alunos, certamente que terão inúmeras sugestões.
Para edição de vídeo, optámos pela Kinemaster. É um editor multipistas que permite misturar clips de vídeo, imagens, sons e efeitos, e exportar como vídeo (com uma marca de água). É fácil de usar, o interface está bem concebido.
8.º ano:
Para publicação web, criação e gestão de sites, o Wordpress e o Blogger têm apps para edição a partir de dispositivos móveis.
9.º ano:
Para trabalhar a criação de aplicações móveis, há algumas que permitem criar apps a partir do dispositivo móvel. Optámos pela Sketchware, que nos pareceu a mais promissora.
Nota Final
Com estas propostas, estrutura-se uma abordagem ao currículo de TIC que usa exclusivamente dispositivos móveis para desenvolver projetos e atividades. Não se pretende que seja um exemplo para reformular abordagens à disciplina. É uma opção tomada em tempos de exceção, colaborando na estratégia da escola para reforço das regras sanitárias. O recorrer ao BYOD é outro elemento de exceção, tendo com objetivo diminuir a probabilidade de partilha de equipamentos.
As apps escolhidas permitem desenvolver projetos em TIC com algum grau de complexidade. A selecção foi pensada para cobrir todo o currículo, ressalvando que em muitas das suas componentes, será uma simplificação do mesmo.
Se neste tempo de excepção foi tomada a opção radical de encerrar uma sala TIC e tornar móvel toda a aprendizagem da disciplina, não é essa uma opção que se defenda para o futuro. No entanto, a experiência adquirida ao longo deste ano irá, esperamos, contribuir para uma melhor integração de dispositivos móveis nas atividades escolares, quer na disciplina de TIC, quer noutras.