domingo, 4 de outubro de 2015

Congresso Nacional de Professores de Informática - Impressão 3D: Experiência Introdutória



Slide 1: Estando aqui, à vossa frente, olho e aposto que sei no que estão a pensar: bolas, ainda falta mais um! Ainda por cima, no final deste longo e interessante dia levam com este storzinho (é assim que as minhas alunas me apelidam, nem com barba me respeitam, talvez vingança por as apelidar de queridas) babado, que teve uma sorte inacreditável. Que ainda hoje por vezes não acredita que a teve. Com isso, abriu uma porta, e deu primeiros passos com os seus alunos. Que são o que são. Não esperem algo de fabulosamente fantástico e espectacular. São primeiros passos que procuram perceber se e como é possível utilizar a impressão 3D com as crianças do ensino básico. Ah, e trouxe coisinhas giras. Bem, para mim são giras. São objectos modelados e impressos pelos meus alunos. Normalmente nestes eventos há uma grande distância daqui para aí, mas não resisto a passar-vos para as mãos. Toquem.

Slide 2: Apesar de bem conhecida, ainda não chegámos ao momento em que os pressupostos técnicos do 3D printing sejam dados adquiridos. Começamos, por isso, por falar um pouco desta tecnologia. E começamos por isto: o hype cycle da Gartner para a impressão 3D em 2015. Creio que estas curvas dos hype cycles descrevem muito bem a nossa percepção sobre as tecnologias de ponta. Desde o momento em que saem dos laboratórios e nos deslumbram, em que pensamos que fixe, que fantástico, quero ter aquilo, até ao ponto máximo de interesse em que nos apercebemos que não sabemos bem o que fazer com o que tanto nos deslumbra. É aí que cai, a pique. Mas quem tem ideias, quem se apercebe dos usos, mantém-se no terreno e desenvolve as tecnologias. Quando nos voltamos a aperceber delas, estão integradas no nosso dia a dia. Creio que todos conhecem um exemplo muito recente. Lembram-se de quando os tablets surgiram? Recordam-se de pouco depois terem perdido o interesse? E agora, quantos de vós não os têm integrados no vosso dia a dia, quase sem se aperceberem?

Slide 3: Se queremos imprimir, temos que ter... uma impressora. Duh, diria La Palice. Que tecnologias de impressão 3D utilizar? Não me vou alongar sobre os diferentes métodos disponíveis. Só isso seria uma longa discussão, e este dia já está longo. Digamos que aquela que nos é mais acessível, por questões de preço e disponibilidade de equipamentos, é a FFF, fused filament fabrication. Como é que funciona? De forma muito elegante. Qualquer um de vós que já tenha trabalhado com uma pistola de cola quente ou uma bisnaga de pasteleiro percebe o seu princípio. Essencialmente, temos um material termoplástico derretido que é forçado a passar pelo bico de um extrusor e depositado sobre uma superfície. Esse processo é controlado por motores passo a passo que descrevem uma trajectória sobre uma superfície. Quando termina, a superfície desloca-se um passo, e repete-se o processo. E repete-se, repete-se, repete-se, até o objecto ficar impresso. É um processo que se mede em... horas. A impressão 3D não é para os impacientes.

Que impressoras utilizar? Disponíveis no mercado temos essencialmente dois tipos. No slide estão três, eu sei. Num extremo temos as impressoras totalmente open source, que no limitem pode ser construídas indo à web descarregar planos, às vossas arrecadações de material para canibalizar cablagens e motores, serrando madeira ou metal para as estruturas, utilizando boards Arduino para controlar. No outro extremo temos impressoras consumer grade, desenhadas para minimizar a interacção técnica com o utilizador. Parecem forninhos, dos quais saem as peças prontas. Num ponto intermédio temos a que utilizamos, uma beethefirst, de base open source mas pensada como consumer.

Porque é que a escolhemos? Essencialmente porque não sei soldar e programar arduinos... mas isso seria torneável, claro. Tendo em conta o nível de ensino em que trabalhamos, interessava-nos um equipamento que possibilitasse introdução rápida na escola. E foi o que aconteceu. A impressora chegou-nos numa quinta-feira, no dia seguinte estava a imprimir na sala de aula. Nunca tive a turma de CEF tão atenta e silenciosa como nesse dia. Se fosse professor de um curso secundário ou profissional, creio que uma Prusa seria a melhor solução porque daria aos alunos a experiência de a montar. Não sendo, preferimos algo que dê para ligar e trabalhar. Apenas funcione.

Houve outros critérios de escolha. Preço, claro, mas também proximidade com o fabricante para nos resolver problemas. E apostar numa empresa portuguesa que desenvolve tecnologia de qualidade. Afinal, somos escola pública, gerimos dinheiros públicos, porque não o investir em tecnologia desenvolvida por portugueses?

Slide 4: Temos uma impressora 3D, e agora fazemos o quê? Imprimimos, claro. Mas que objectos? É muito fácil pesquisar na web ou aceder a repositórios como o Thingiverse para descarregar modelos para imprimir. Mas... somos professores. Queremos estimular o uso do computador como ferramenta criativa, e não a sua utilização passiva de consumo de conteúdos. Aqui, creio que partilhamos todos deste mesmo objectivo. Por isso, há que aprender a modelar em 3D. Em que software? Estão a ver ali muitos. Seria um professor muito frustrado, talvez com marcas e equimoses, caso levasse um Blender para a sala de aula. Por isso optamos por programas simples, que facilitam a aprendizagem da modelação 3D. Podem ir do mais complexo, como o Sketchup, que apesar de fácil de usar tem recursos avançados, a aplicações para tablet que funcionam quase como jogo.

Slide 5: Pronto, temos os nossos modelos. Já podemos imprimir? Hã... não. Agora é preciso fazer um trabalho fundamental que, confesso, ainda não encontrei forma de inserir na aula. Modelar e imprimir é fácil, os alunos modelam enquanto a impressora imprime. Mas para este passo não há receitas, é um processo com muito de artesanal.

Em primeiro lugar, o objecto que criamos pode vir num de muitos formatos de programas 3D. OBJ, VRML, 3DS, collada... e a impressora apenas reconhece STL. Como fazer? Utilizamos software de conversão para  converter para impressão. Preferimos o Meshlab, que foi desenvolvido para arqueologia.  Depois, há que validar o ficheiro. As impressoras 3D são exigentes. Qualquer modelo a imprimir tem de ser estanque e ter as normais da malha poligonal todas orientadas na mesma direcção. Ou seja, não pode ter buracos, porque senão ao imprimir dá... buraco. No seu sentido mais literal. O que não quer dizer que o modelo não possa ter orifícios. Mas a sua casca tem de ser contínua, sem rasgos, ou polígonos alinhados de forma inversa que serão interpretados como buracos pela impressora. Nisso, programas como o Mesmixer podem ajudar, corrigindo problemas ou gerando uma casta exterior, outer shell, para imprimir. Mas não fazem milagres, e muitas vezes é preciso regressar ao modelo 3D original. A validação da mesh com uma aplicação como o netfabb é um passo fundamental. Resta fazer o slicing, fatiamento, que irá gerar o código que controlará a impressora no processo de impressão.

Slide 6: E pronto, já estamos a imprimir! Aqui, há dois níveis. Este, que vêem na imagem, é o de introdução. De colocar os alunos a criar modelos para imprimir. Na sala de aula, nas TIC, levando para o átrio. O que estão a ver são alunos do primeiro ciclo que vieram à nossa escola. Não é por acaso que a impressora está aberta, é mesmo para verem como funciona. Ainda não conseguimos ir às escolas do primeiro ciclo, mas as minhas colegas coordenadoras de estabelecimento estão sempre a perguntar-me quando é que lá vais para vermos imprimir? Despertar a curiosidade, aproximar, desmistificar, mostrar às crianças que afinal aquela tecnologia fantástica que viram na televisão está ali ao pé deles e a podem utilizar são, creio, primeiros passos fundamentais.

Slide 7: O segundo nível é o que nos parece mais importante, porque integra a impressão 3D noutros contextos que não a sua mera introdução. O que estão a ver é um caso de trabalho interdisciplinar, onde os alunos aplicaram processos de redesign em Educação Visual, utilizaram métodos de representação rigorosa e prototipagem em argila. Sim, essa coisa que nos suja as mãos. Em seguida, comigo, modelaram em 3D e imprimiram os seus objectos. A interdisciplinaridade, este cruzar de diferentes áreas e conhecimentos potenciada por ferramentas digitais, é uma característica que creio ser a mais importante no trabalho com as TIC. Quer seja com impressão 3D, com Web 2.0, robótica, o que quiserem. Onde as coisas se tornam realmente interessantes e as tecnologias geradoras de conhecimento e aprendizagem é no cruzamento possibilitado por trabalhos interdisciplinares.

Slide 8: Porque o que precisamos são de ideias. Se todos começarmos a trazer impressoras 3D para a escola só porque parece fixe e moderno, isto vai falhar. Temos que pensar e saber o que queremos delas na educação. Quais as suas valências, onde podem melhor potenciar aprendizagens. E isso faz-se experimentando, mas também partilhando experiências. Afinal, como até foi observado esta manhã por David Justino, a criatividade por si só não existe. É como digo aos meus alunos: quanto mais livros lerem, exposições visitarem, música ouvirem, filmes, passearem nas ruas de olhos bem abertos, mais criativos ficam. Ideias geram mais ideias.

Tanto quanto sei, mas como sou independente não tenho acesso aos repositórios pagos de artigos, não há ainda muita investigação sobre a introdução da impressão 3D na educação. O que há é muita partilha. Em fóruns, redes sociais, livros. Aí há ideias. Não é por acaso que vos trago estas imagens. Algumas são trabalhos de alunos de um professor do primeiro ciclo canadiano, da zona de Toronto, creio. São coisas como cidades modeladas, lá está, estudo do meio, ou insectos, em ciências. Ou tornar concretas ideias abstractas ligadas à geometria.

Ideias não faltam, temos que perceber como integrar, que metodologias, abordagens, estratégias, vantagens e desvantagens. Mas como disse, este é um primeiro passo. É por isso que o partilhamos, para contribuir para a discussão e despertar ideias.

Slide 9: E é isto. Aquele sorriso que estão a ver, que nalguns casos são gritos de incredulidade de alunos que não acreditam que seguram nas mãos o que criaram no computador, é o que mais nos alegra. Se estiverem interessados e quiserem saber mais sobre o lado técnico, ou ter acesso ao que falei com o necessário rigor académico, visitem o nosso site ou contactem-me. Obrigado pela vossa paciência!


Registo da partilha de práticas, no dia 2, no auditório da Microsoft. Optei por um estilo de apresentação mais informal e coloquial. Fui o último a falar num dia recheado de keynotes e apresentações que iniciaram às nove da manhã. Achei que pelas seis da tarde já ninguém teria paciência para um discurso cinzentão. Creio que é uma forma de apresentar que faz cada vez mais sentido. Sacrifica-se algum rigor científico mas ganha-se no transmitir da paixão que se sente pelo objecto de estudo. Note-se que falar e apresentar algo de forma informal não significa falta de seriedade. O lado mais técnico, descrito de forma sóbria, anotado com bibliografia referenciada de acordo com os normativos APA irá em breve ser aqui disponibilizado. Espero ter cativado a audiência, e pelo que me foram dizendo no dia seguinte gostaram do que viram. E da abordagem. Um colega perguntou-me se era assim que dava aulas. De facto, é. Descomplicar, desmistificar, sorrir. Ser sério não obriga a ser sisudo, ou obriga?

(Nestas coisas, como ando sempre a alta velocidade, esqueço-me sempre de agradecimentos. O maior dos quais vai sempre para os alunos. Sem eles isto não seria possível. Mas também para os meus colegas e direcção, cujo apoio e paciência para me aturarem tem sido fundamental. É por isso que ao falar e escrever oscilo tanto entre um eu e um nós. Porque se realizo um trabalho, ele não seria possível sem o contexto onde estou inserido. Também não posso deixar de agradecer à ANPRI pelos desafios, não só deste congresso (aprendi imenso sobre o que não devo fazer em impressão 3D com os logotipos da associação) mas noutros contexto. E, em especial, porque foi graças à força que a associação que representa os professores de TIC e Informática exerceu sobre a Rede TIC e Sociedade para que incluíssem projectos de escolas nos prémios Inclusão e Literacia Digital que estamos, hoje, felizes com uma impressora 3D que deslumbra e potencia a nossa comunidade educativa. Lá está, binómio eu/nós. Não é bipolaridade, é reconhecimento da interacção de factores que permitem ir mais longe.)

2 comentários:

  1. Respostas
    1. a isso responde-se com um espelho: continuem também. o vosso esforço e caminho tem de facto aberto novos horizontes para as TIC e educação.

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