terça-feira, 17 de abril de 2018

Desafios


O humanóide das TIC em 3D está algures nesta foto.

Renovou-se o compromisso com a Associação de Professores de EVT. Apesar de estar dedicado a TIC, área que me enriquece diariamente (e gosto de pensar que contribuo para o seu enriquecimento), sinto o dever de contribuir para a revitalização de uma área artística que não tem tido uma vida fácil no sistema de ensino. Não estou nisto para mudar o mundo, ou por necessidade de engrandecimento pessoal. O sentido de dever de que falo é o de partilhar a minha experiência nas TIC com a minha área de origem, mostrando o potencial das tecnologias digitais como ferramenta criativa. O pendor maior vai para o 3D, claro. Nem outra coisa seria de esperar do humanóide por detrás das TIC em 3D. Mas também se arranjam pontes para outras tecnologias e metodologias.

Não estou à espera de tarefa fácil. Divulgar algo de novo junto de um grupo de docentes desmoralizado e sem o acesso às ferramentas elementares da tecnologia digital a que estou habituado em TIC tem o seu quê de provação de sísifo. No entanto, com paciência e resiliência, talvez se chegue a algum lado. Se numa sessão de formação se conseguir convencer pelo menos um colega professor, já é mais um do que seria se estes momentos não acontecessem.

Outra área onde espero algumas agruras é a expansão de TIC como área disciplinar do 5º ao 9º ano. Algo que pode ser sentido como uma intrusão, ou no limite um retirar de tempo já de si reduzido, até mesmo ameaça, pelos docentes das áreas artísticas. No entanto, nesta minha aprendizagem como docente de TIC, percebo e aplaudo a extensão desta área disciplinar. Não chega anunciar intenções de preparar os alunos para os desafios do século XXI. É preciso agir, e os docentes de TIC têm demonstrado ao longo dos anos que compreendem os reais desafios que aguardam no futuro dos nossos alunos de hoje, tendo sabido adaptar o conhecimento sobre tecnologia digital em perspetivas inovadoras. Por muito interessante que sinta o meu trabalho no domínio do 3D, fico sempre humilde quando vejo os enormes avanços que os professores de TIC têm feito nos domínios da programação, robótica, automação e internet das coisas. É um dinamismo incrível, alastrando a todo o país, sempre com uma postura ativa, que contraria o formalismo tão habitual na educação em Portugal. E, o que é mais importante, mudando o foco da aprendizagem de ferramentas para conceção de projetos, usando metodologias muito similares àquelas que aprendi enquanto docente de EVT.


Um dia, hei de ter tempo para comparar a metodologia de projeto de EVT com o pensamento computacional de TIC. Sempre que ouço especialistas a falar dos processos iterativos de tentativa e erro, lembro-me logo de como se pinta um quadro. Pista: nenhuma obra prima se faz à primeira pincelada sobre o primeiro rascunho.

É um esforço que não se resolve com a confortável visão das TIC como transversais. Podem sê-lo, de facto, como ferramentas de processamento de informação ao serviço de outras áreas disciplinares, mas só isto não chega, se a visão dos desafios para o século XXI for mais abrangente do que formar futuros consumidores. O resultado disto seria uma sucessão de textos, apresentações, padlets e outras formas de processamento de informação com recursos multimédia simples. Coisas que enchem o olho, sustentam aquisição de conhecimentos em áreas diversas (e por isso têm validade e potencial pedagógico), mas não permitem o passo lógico necessário, dotar os alunos de competências técnicas que lhes permitam apropriar-se do potencial das tecnologias digitais. Para isto, faz falta um espaço e tempo de especialização, onde se podem aprofundar conceitos e saberes específicos, enriquecidos com abordagens transversais. Sabemos, por exemplo, da ligação entre programação e matemática, mas não faria sentido exigir aos docentes de matemática que ensinassem linguagens de programação na sua disciplina. Ou aos de línguas que se responsabilizassem pelas técnicas de processamento de texto, os de história por apresentações multimédia. Podia continuar a dar exemplos, mas creio que já sublinhei o ponto de vista. São precisos docentes especializados, com competências técnicas sólidas e capacidade para ver além das fronteiras da sua área. E, claro, um tempo específico, não se consegue desenvolver trabalho sustentado sem tempo. Os muitos docentes de TIC que tenho tido o privilégio de conhecer nestas aventuras têm mostrado, vezes sem conta, estas capacidades e vontade de agir.  Ver a área reconhecida e estendida ao longo dos ciclos não é uma recompensa, é uma necessidade.

Seguindo argumentos mais utilitaristas, pode-se apontar a importância crescente da economia digital, os impactos presentes e futuros da automação, robótica, machine learning e inteligência artificial na sociedade. Observar que estamos a preparar os alunos de hoje para desafios que ainda não conseguimos imaginar é uma bela frase feita que disfarça mal o potencial disruptivo desta combinação de tecnologia nas carreiras e empregabilidade como até agora a entendemos. Quer se seja optimista ou opte pelos modelos pessimistas que prevêem uma hecatombe de desemprego numa economia automatizada, há um ponto comum nestas ideias: a necessidade de repensar o papel do humano na sociedade. Quer se imagine um futuro rosáceo de lazer apoiado na prosperidade tecnológico, quer se anteveja pobreza esmagadora numa sociedade robotizada (e todas as nuances entre estes extremos). Apostar nas TIC, não como meras ferramentas na ótica do utilizador, mas como forma de pensar e agir, de potenciar capacidades humana com as valências aumentativas da tecnologia, é fundamental para dotar os alunos de hoje de competências que lhes permitam viver vidas recompensadoras no seu futuro.

Esta posição pode parecer paradoxal num envolvimento com áreas artísticas, tradicionalmente vistas como aversas à tecnologia digital. Mas não quero ver as artes, com o seu humanismo inerente, foco na expressão criativa, pensamento individual e multiliteracias, afastada dos processos tecnológicos que estão a moldar a sociedade contemporânea. As artes têm muito a dizer, um papel a desempenhar dentro da preponderância das áreas CTEM. Um foco exclusivo na tecnologia é estéril e desumanizante.

Quando penso em tudo o que tenho aprendido em TIC, nas amizades que fiz, no incrível desafio da impressão 3D, na vitalidade da robótica e programação, no sucesso do projeto Robot Anprino, sei que me seria quase impossível regressar à tradicional EVT. Se o fizesse, seria certamente mais enriquecido. Partilhar esta dinâmica é um dever que sinto, ajudando a valorizar a minha área de origem. Mas sem ilusões de supremacia. Quando comecei a experimentar com tecnologias de expressão digital na sala de aula, há alguns longínquos anos, sempre assumi que seriam mais um meio de expressão, em paralelo com os tradicionais. Apesar do meu foco ter mudado, a postura não se alterou. Espero conseguir contribuir, neste novo desafio, com as minhas capacidades e as experiências adquiridas em modo standing on the shoulders of giants, com tantas pessoas fascinantes e dinâmicas que conheci nestes últimos anos.

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