sábado, 30 de janeiro de 2016

Criatividade crítica


Recordando que foi na sala de aula de Educação Visual e Tecnológica que nasceram as TIC em 3D. Foi aí que começaram as primeira experiências a colocar software de edição de imagem, desenho vectorial, modelação e animação 3D nas mãos dos alunos, como mais uma ferramenta ao serviço da sua criatividade. Percorreu-se daí um longo caminho, que passou pela criação de mundos virtuais tridimensionais online, envolveu uma tese de mestrado, levou alunos do primeiro ciclo a fazer filmes de animação 3D e mundos virtuais, desdobrou-se em inúmeros pequenos projectos entre sistemas solares virtuais e aplicações de realidade aumentada, expandiu-se para as Tecnologias de Informação e Comunicação, foi distinguido com o prémio Inclusão e Literacia Digital, esteve presente nas edições da Lisbon Maker Faire, e está correntemente a dar os primeiros passos na introdução da impressão 3D na sala de aula.

Transversal a todo este trabalho está um espírito experimental que veio da formação e práticas da antiga área curricular de EVT. Durante anos, esta área foi um espaço especial nas escolas portuguesas. Uma área multidisciplinar, focada na criatividade, trabalho de projecto, centrada no aluno, dotando-o de aprendizagens estéticas e técnicas estudadas não como um fim em si mas como ferramentas aplicadas ao serviço de abordagens projectuais, resolução de problemas e exploração da expressão artística. Uma área que sempre privilegiou a cultura artística e sempre apontada como tendo os mais dinâmicos docentes nas escolas, das poucas que não colocava a tónica sobre a transmissão de conteúdos e se assumia como espaço de liberdade criativa, com uma enorme diversidade de abordagens tornadas possíveis pelo esforço dos seus professores.

Uma área que foi extinta por decreto governamental em 2012, cilindrando décadas de experiência e trabalho, aniquilando a carreira de docentes, boa parte dos quais foram forçados a abandonar o ensino após anos de dedicação e trabalho de excelência. A área curricular foi repartida, transformada num formalismo metrificado que, conjugado com a redução de tempo disponível, prejudicou a existência do dinamismo a que os docentes de EVT sempre mostraram nas escolas. Perdeu-se um espaço que permitia aos alunos respirar, experimentar outro tipo de trabalho e abordagens diferenciadas da formalidade medida por provas e exames.

Devo confessar que no meio desta derrocada, desencadeada por motivos economicistas, tive muita sorte. Deixei para trás a sala de aula de EVT e continuei nas TIC, com metas curriculares mais flexíveis na sua abordagem, a explorar o cerne das metodologias fundamentais de EVT: o trabalho de projecto, o foco na ferramenta como meio para uma finalidade, a multi-disciplinaridade do conhecimento, o uso do computador ao serviço da criatividade. Tem sido um desafio interessante que me tem levado a aprender imenso com outros professores das áreas da informática, descobrindo novas abordagens, vertentes de exploração e inquietações sobre o papel da tecnologia na aprendizagem. Olho para o futuro, vejo a importância crescente dos makerspaces e Fab Labs como pólos de cruzamento da criatividade e tecnologia, e sinto que os pressupostos que fizeram de EVT uma área curricular tão rica são os que sustentam o movimento Maker. Entendendo sempre a educação e aprendizagem como inclusivas, no cruzamento de diversas áreas de conhecimento. Algo que se torna tangível sempre que os meus alunos imprimem em 3D os seus projectos concebidos na aula de TIC.



Continuo a olhar para EVT como um marco, um espaço muito especial. Não pela nostalgia do que já foi, mas pelo que poderá voltar a ser, com esforço dos profissionais que nestes anos de diáspora e travessia de um deserto imposto não deixaram de a manter no coração. Lutemos por um regresso desta área tão especial, revertendo o retrocesso de décadas que transformou o ensino artístico na educação básica no que era há vinte ou trinta anos atrás, quando os desafios da modernidade que hoje se colocam não eram sequer concebíveis. Desafios esses que ao nível da formação, flexibilidade intelectual, e capacidade para trabalho colaborativo e de projecto EVT sempre esteve bem posicionada, com metodologias que contribuíam para a capacitação dos alunos de hoje para os desafios de amanhã.

Poderá EVT regressar à escola? Em muitos sentidos, nunca de lá saiu, quer pelas marcas que deixou, quer pelos profissionais que resistem, continuando o espírito pedagógico em ambientes adversos. Mas precisa de regressar formalmente, a bem das artes, da cultura, de uma educação integral, e essencialmente a bem do desenvolvimento dos alunos, apesar dos obstáculos económicos e políticos.

Junto a minha voz, como alguém que nasceu em EVT, a voz que o imenso esforço por detrás destas TIC em 3D me dá, apoiando os esforços da Associação de Professores de EVT para o regresso da Educação Visual e Tecnológica ao currículo do ensino básico. A educação precisa do contributo criativo e crítico de EVT para o futuro dos nossos alunos.

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