Dia 1 de outubro, no espaço da Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro em Telheiras e integrado nas atividades do Fórum Fantástico 2023, dinamizámos um workshop de programação. O tema era a programação de pixel art em Python, recorrendo aos imagiCharms. Foi uma sessão descontraída, para pais e filhos que quiseram aparecer no espaço da biblioteca. Poderia ter tido mais participantes, mas era domingo, e durante o Fórum estava a decorrer um torneio de Pokémon Go, sem dúvida mais atrativo (não é lamúria nossa, que aproveitámos bem o torneio).
Confesso que fico sempre um pouco deprimido no final destes eventos abertos. Não por nostalgias, mas porque fico sempre à conversa com os participantes, e o que ouço, desanima-me. Por um lado, há uma certa incredulidade quando lhes digo que sim, sou professor numa escola pública. Não é preciso ser uma escola privada para se ter acesso a meios e tecnologias inovadoras, bem como espaço e tempo para as implementar.
Mas o que me deixa mais triste, e inquieto, é perceber o que os miúdos que os pais trazem a estas sessões realmente fazem na escola. A conversar com os pais de um, que ficaram depois da sessão para trocar ideias, percebi que estava no sétimo ano de escolaridade. Excelente, disse-lhes, é mesmo o meu ano favorito da disciplina de TIC, onde se aprende a trabalgar com 3D, imagem, som e vídeo. Olharam para mim, com ar confuso, e o rapaz lá me diz "bem, o meu professor falou connosco, e disse-nos que iamos trabalhar o excel..."
Tento sempre ter tacto nestas situações. Só sei um dos lados da história, e por princípio não teço considerações sobre o trabalho de um colega sem conhecer mais, não sei qual o contexto da escola, qual a sua formação, entre outras variáveis possíveis. Mas, pela descrição, parece-me mais um colega que, por incapacidade, desconhecimento ou conforto, não cumpre as aprendizagens essenciais da disciplina que lecciona.
Os pais com falo nestes momentos nem sabem quais são as aprendizagens de TIC. Assumem que a disciplina serve para preparar as crianças em ferramentas office, e ficam sempre surpreendidos quando lhes mostro que não é isso o que se faz (ou o que se deve fazer). Que os que lhes trago de programação em ambientes visuais, 3D ou outras atividades, é algo que se enquadra na disciplina, e que muitos pelo país fora fazem.
E é por isto que fico um pouco deprimido quando saio do meu casulo da escola ou dos colegas de informática, e contacto com pais e crianças fora destas bolhas. Ouço demasiadas vezes o "não sabia que se podia fazer isto", "mas faz parte das aulas?", ou "ah, na escola do meu filho não é assim". Não é, mas deveria ser. O porquê de não ser tem resposta complexa, que vai do conforto individual do professor face ao que tem de ensinar (e tantos, infelizmente, ainda consideram o antigo paradigma da disciplina, que era tão redutor que ficou conhecido como "currículo microsoft" como o essencial), à extrema sobrecarga de alunos (um professor de informática tem à vontade entre 200 alunos - os que tenho este ano, a 500/600, e isto não é exagero), ou à falta de professores, que tem trazido pessoas sem bases atualizadas para tapar os buracos no ensino.
Também suspeito que muitos dos pais dos meus alunos gostariam de ter um professor mais convencional que lhes ensinasse aquilo que consideram importante - o formatar documentos e usar ferramentas comuns, ao invés de explorar as dimensões do pensamento computacional. Que essa tendência é bem visível está patente nas provas de aferição de TIC, que não continham qualquer referência aos aspetos do currículo da disciplina (sem programação, 3D, robótica ou outras áreas que trabalhamos em sala de aula). Curiosamente, há uns anos, durante uma sessão da Academia Digital para Pais na minha escola, partilhei esta minha dúvida com os pais presentes. "Mas olhe, professor", diz-me logo uma das mães, "isso do word e powerpoint ensino-lhe eu, ainda bem que consigo ele aprende essas coisas da programação, que isso eu não lhe consigo ensinar". Sorri. Há quem perceba.