"Professor, gostava de lhe contar uma coisa sobre as suas aulas de TIC", diz-me um antigo aluno. Para contexto, estava na Futurália a colocar os visitantes do espaço da DGE a experimentar inteligência artificial generativa, quando reparo num jovem sentado, a sorrir. "Não queres experimentar isto", pergunto-lhe. "Ah, não se lembra de mim, professor? Fui seu aluno há uns anos, na Venda do Pinheiro...
Pelo rosto, não ia lá (sou extemamente distraído e cabeça na lua), mas o nome trouxe-me algumas memórias. Falámos um pouco, ele, jovem millenial, colocou-me ao corrente dos seus desafios e aprendizagens em cursos profissionais, voluntariado e viagens. É sempre bom saber quando os nossos antigos alunos encontram o seu caminho na vida, e sempre de formas imprevisíveis quando estavam connosco.
Interrompe a conversa, sorri, e diz-me que tem uma coisa para me dizer. Sobre as aulas de TIC. "Olhe, professor, deve-se lembrar que fui seu aluno no sétimo ano, e depois mudei de escola, para a zona de Sintra. Consigo aprendi a fazer 3D, vídeo, também... mas depois..." E então, perguntei. "Olhe, depois de sair da sua escola, foi um completo retrocesso! Passei o oitavo e nono ano só a fazer exercicios no Word..."
"Foi mesmo andar para trás, " observa. "Eu bem dizia aos meus professores que se podia fazer outras coisas, mas eles nada, um completo retrocesso... depois daquilo que me mostrou que se podia fazer com a tecnologia..."
Fiquei num misto de alegria e surpresa, claro, pelas palavras, pelo que me relatava. Concluiu que só voltou a sentir que estava realmente a aprender no secundário, quando em disciplinas de informática aplicou o que tinha aprendido comigo sobre modelação 3D em Sketchup.
Expliquei-lhe que as coisas mudaram, que o programa de TIC agora é ainda mais interessante do que era quando ele tinha sido meu aluno. Mas, enfim, há ainda muito que fazer.
"Sabe, professor, " remata antes de se despedir, suspeito que para a vida, porque a educação tem destas coisas, raramente os futuros se cruzam, "sempre lhe quis dizer isto. Vocês, raramente lhes dizem estas coisas".
Confesso, por vezes sinto a força a perder-se, e pergunto-me se vale mesmo a pena focar a minha prática letiva naquelas que são consideradas as competências digitais com futuro, nos domínios da programação, pensamento computacional, Inteligência Artificial, robótica e tecnolofgias criativas. Vivo com a suspeita que os restantes professores com que trabalho prefeririam algo mais convencional, o que dizem ser importante, o, como referem, "ensinar os alunos a mexer nos computadores".
Uma ideia difusa, que na mente popular se resume ao mais básico do básico, ao enviar mensagens, realizar pesquisas, e elaborar documentos e apresentações (de preferência no Word e Powerpoint, que isso de software livre nem querem ouvir falar). "É o que eles precisam de aprender, e não essas coisas da programação, que até são demasiado complicadas", dizem-me muitas vezes. Suspeito até que boa parte dos pais dos alunos pensa o mesmo, apenas não tem coragem de o dizer.
Mas depois há estes momentos, que mostram que sim, eu estou no caminho certo. O caminho de desafios, de fuga ao elementar e formal, o que realmente mexe com a cabeça dos alunos.
Não estou sozinho nesse caminho, conheço, e sou inspirado, por muitos outros professores de informática que também agem assim. Vejo, em experiências, partilhas, e formação, um grupo crescente que se dedica a estas dinâmicas.
Mas estamos em portugal, o país das mentalidades pequenas, onde isso da inovação é muito bonito mas achamos que os meninos precisam é de aprender a enviar emails (sim, já ouvi esta).
Ou, como já me disseram, "para colocar os alunos a modelar em 3D como é que tens tempo para ensinar a formatar corretamente documentos no word?" (Vindo de um colega de informática, ainda por cima.
Recordo aquela vez em que a diretora da escola me confidenciou um desabafo, "olha, um elemento da associação de pais observou que as aulas de TIC são demasiado centradas na programação e outras coisas, ele acha que o filho dele devia ter aprendido a fazer apresentações no powepoint." Ia já começar a fazer o relato do programa da disciplina, mas ela, que sempre apoia, interrompe com um "estou só a transmitir". É a mesma diretora que já me deu indicações para comprar um cão-robot educativo que partilhei nas redes sociais, mal haja disponibilidade orçamental.
E que não hesitou em financiar o triplo do que eu pedia, para investir numa solução EdTech para incentivar a aprendizagem da programação.
Recordo também com carinho a discussão com uma diretora de turma, que perante as minhas propostas de colaboração interdisciplinar, me puxou as orelhas. "Olha, e que tal ensinar a fazer word e powerpoint como deve ser?!" Lá lhe expliquei o que era o programa de TIC, quais eram as nossas aprendizagens essenciais.
Não ficou satisfeita. E remata, dizendo que ficou desiludida quando viu a reformulação do programa da disciplina. No seu ponto de vista, o que as crianças deviam aprender era a informática na óptica do utilizador, isso seria o importante.
Esta minha colega lecciona História. E, a mim, nunca me ocorreria criticar porque é que o programa de História para o ensino básico se foca nas áreas que trabalha.
Por isso, caro ex-aluno, cujo futuro espero que seja dinâmico, viajado e feliz, obrigado! A nossa conversa reforçou as minhas convicções. Uma coisa é sentir que se está no caminho certo, mas senti-lo dentro de uma bolha cultural de pessoas que pensam como nós é algo que o sentido crítico nos diz para ter cuidado. Outra, é passados anos, reencontrar um aluno que nos diz, olhos nos olhos, que o que fizemos com ele fez diferença.
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