Após dois dias imerso na conferência/formação Education in the Digital Era: A Good Practices Insight, saí de lá com a consciência do que não quero fazer no que toca ao uso inovador de tecnologia na educação. Culminar de dois anos de trabalho no âmbito de um tipo específico de projecto Eramus (que requer, tanto quanto sei, este tipo de encerramentos), com apoio da Gulbenkian, que se traduziu na criação de espaços sala de aula do futuro nas escolas de Atouguia da Baleia, este evento teve num primeiro dia formação para professores e num segundo conferência em moldes clássicos.
Os conceitos de sala de aula do futuro interessam-me, por razões óbvias, especialmente no que toca às suas metodologias de uso. Já passei por demasiadas tentativas de revolução digital por mera presença de tecnologia que falharam porque se focaram exclusivamente nos materiais e não na forma como os podemos utilizar. Processo que, concedo, demora tempo e evolui de acordo com o aprofundar da utilização.
Quando comecei a levar computadores para a sala de aula de EVT para iniciar estas aventuras no 3D, há mais de sete anos atrás, não tinha as ideias que tenho hoje, nem suspeitava das implicações e aplicabilidade desta tecnologia específica. Com outras, o processo não é diferente, o que torna muito importantes os contextos de formação e partilha de experiências práticas. Um pouco por todas as escolas do país há professores que experimentam, enquadram a tecnologia com os seus limites e potencialidades dentro dos espaços específicos em que trabalham, desbravando caminhos de uso em contexto. As partilhas generalistas de ideias têm a sua importância, mas descobrir o que se passa no terreno, aprendendo com a experiência de outros, retira aquela sensação de isto é tudo muito bonito mas no meu caso/escola/turma/disciplina não serve que se sente (e ouve) em muitos encontros de professores.
Foi a procura deste tipo de partilhas que, estoirado após os quatro dias de Sci-Fi Lx (dois para os visitantes), com arranque de obras no espaço da escola, reunião longa de conselho pedagógico e a preparar um fim de semana no Porto dedicado aos desafios da intersecção da educação artística com o digital, me levou a participar neste evento. O saldo final não é tão positivo quanto esperava, mas saí de lá com alguns conhecimentos reforçados, curiosidade desperta para práticas específicas que, não sendo adequadas aos meus métodos de trabalho, o são a docentes de outras disciplinas, e também com a noção de que há caminhos que não quero, de todo, seguir.
O dia de formação arrancou com Teresa Vandeirinho, arquitecta e representante da Steelcase, que nos veio falar dos conceitos de mobiliário para espaços pedagógicos inovadores. Inovadores não no sentido estético, mas na flexibilidade de reconfiguração espacial que permite diferentes metodologias e contextos de trabalho. Se o mobiliário apresentado é, de facto, ergonómico, funcional, flexível e de elevada qualidade, tem também preços algo proibitivos para a larga maioria das escolas. Um factor que não invalida os conceitos. No fim de contas, we can IKEA the s*** out of this (se viram o recente filme The Martian, ou melhor, leram o livro, percebem que esta ideia não é nada ofensiva). As ideias sobre reorganização de espaços e adaptação do mobiliário a diferentes metodologias foram o que retirei deste momento de partilha.
Como parceira activa destes projectos, a Promethean dinamizou dois momentos de formação. Um dedicado aos quadros ActivBoard, sob pretexto de reflexão sobre conceitos de educação no futuro, e outro especificamente dedicado às funções da plataforma Classflow. O primeiro distinguiu-se por tudo o que poderia correr mal, correu (excepto, talvez, o equipamento começar a deitar faíscas). Interessa-me o que correu mal. Discursos corporate mais ou menos interactivos sobre conceitos do futuro na educação são, para mim, uma discussão muito XXth Century, com poucas surpresas e muitos lugares comuns.
Enquanto a formadora (que, sublinhe-se, não deixava que meros problemas técnicos a impedissem de continuar o seu trabalho, mostrando que o mais importante, sempre, é o que queremos transmitir e não o suporte técnico) nos levava a reflectir sobre como poderemos preparar os nossos alunos para desafios que não conseguimos antever, prestei atenção à dinâmica de uso do ActivBoard. O velho problema do interface de toque continua lá, apesar de um ecrã sensível ao toque permitir maior precisão do que uma superfície de projecção. É uma questão de interface. Ligar-lhe um Windows amplia a área, mas a usabilidade do toque no tipo de interface clássico do computador não facilita a sua utilização. É frustrante tocar num menu ou opção, e o software não responder como esperado. Foi o que correu mal na sessão. No final, questionei o pessoal técnico da Promethean sobre este problema. Se ligar um Windows ao ActivBoard, sei que terei problemas de interface. Se lhe ligar um Linux, onde terei maior flexibilidade de interface, ou um android, resolveria? A boa surpresa surgiu desta conversa. Sem nenhum dispositivo ligado, um ActivBoard é, essencialmente, um android gigante a correr o que me pareceu ser uma versão normal do sistema operativo. Com um tablet gigante, com todo o mundo de aplicações android pensadas para interfaces de toque, abre-se um interessante conjunto de possibilidades de uso deste equipamento, muito além do que o que estamos habituados a ser demonstrado, que se fica pelo uso do ActivInspire.
Na outra sessão da Promethean, o foco esteve nas actividades possíveis recorrendo ao Classflow. É interessante, como plataforma web de conteúdos interactivos criados pelo professor ou gerados a partir de bancos de questões, acessível e adaptável a diferentes tipos de dispositivos. Só se necessita de browser e conectividade, estando adaptado a estratégias BYOD. Como professor, tem-se acesso em tempo real às estatísticas de resposta, permitindo saber quem está a acertar ou a errar, bem como o tempo que demora a completar cada tarefa, dando ao professor pistas sobre quem está com mais dificuldades para uma intervenção mais imediata. É uma curiosa utilização big data, que me suscita algumas dúvidas por se basear num estrito paradigma de aprendizagem por tarefa metrificável, concretizada em exercícios constantes. Ferramenta útil, sem dúvida, em contextos de disciplinas mais teóricas, mas que não consigo conceber como pode ser usada em áreas artísticas ou práticas, onde a aquisição de competências se faz fazendo, criando, construindo, experimentando.
Esta minha incapacidade de compreender a utilidade deste tipo de ferramentas e tecnologias em contextos de educação artística estende-se a todo o conceito de sala de aula do futuro. É uma discussão da qual tenho visto arredados os professores ligados às Artes. O desenho dos espaços raramente contempla zonas apropriadas para a educação artística. É duplamente frustrante. Por um lado, sente-se o alheamento da cultura artística, com o conceito de "criatividade" apropriado como palavra-chave difusa, cujos significados não são explorados nos contextos em que nos são apresentados. Por outro, as tecnologias digitais vieram permitir um potencial enorme de utilização criativa, democratizando ferramentas que facilitam o acesso a linguagens estéticas. Linguagens essas que raramente são exploradas, em boa parte por desconhecimento dos docentes, que apenas vêem nestas ferramentas contentores rápidos para conteúdos produzidos, sem necessidade de prestar atenção ao salto qualitativo que compreender linguagens estéticas lhes trariam.
Destaco que no âmbito desta iniciativa também tem sido trabalhada a impressão 3D, embora, pareceu-me, de forma incipiente e com falhas técnicas. Foi mostrado um projecto de recriação do património local utilizando o Minecraft como ferramenta de modelação (com o utilitário Mineways para extrair a mesh do ambiente de jogo). Uma ideia interessante, especialmente por ter partido dos alunos, mas cuja concretização necessitava de um aprofundamento sobre técnicas de modelação e impressão 3D. Da análise que fiz às peças, percebia-se que as meshes extraídas pelo Mineways não foram processadas noutras aplicações, nem validadas para optimização do STL, impressas sem atenção às estruturas de suporte necessárias para suportar vãos, e com alguns pormenores específicos de manuseamento da impressora que afectam a qualidade da impressão. Note-se que a dinâmica é muito interessante, num espaço que permite aos alunos trabalhar directamente com a impressora 3D. Falta-lhes, creio, afinar técnicas e expandir os processos de modelação e preparação de impressão 3D. Se é fantástico incentivarem um tipo de trabalho autónomo da parte dos alunos, falta o passo de afinação de qualidade e aprendizagem de técnicas específicas para aprofundar conhecimentos e potenciar ainda mais esta tecnologias. Das experiências que tenho tido ao longo das minhas aventuras na impressão 3D, este não é um processo de enviar qualquer modelo para ser impresso um objecto com qualidade. Esta percepção é um primeiro nível. Depois, há uma aprendizagem que tem de ser feita para afinação qualitativa, que permite levar mais longe o que se pode fazer com impressão 3D.
Destas sessões, retiro a primazia metodológica dada nestes espaços ao tipo de trabalho em que disciplinas e áreas mais teóricas se sentem confortáveis. Pergunta-resposta, realização de exercícios em modo individual/grupo, exposição interactiva com recurso ao multimédia. Compreendo a pertinência destes usos, mas confesso a minha incompreensão sobre a sua adequação a outros tipos de trabalho, que não são necessariamente específicos das áreas artísticas, mais centrados no projecto, na aplicação táctil de conhecimentos, no criar, construir, fazer.
O sentimento que retiro sempre que contacto com os conceitos de sala de aula do futuro é o seu afastamento das áreas artísticas. O criar está restrito às ferramentas digitais, o foco está apenas no aprender e partilhar. Sinto como mais interessantes e pertinentes para estas áreas o conceito de makerspace (na sua essência, um espaço tipo atelier com diferentes tecnologias à disposição dos utilizadores) do que um conceito de aula futurista que se restringe a tipos de conhecimento de base mais teórica do que prática. Gostaria de encontrar formas de coexistência, que integrassem as valências artísticas neste tipo de espaços.
Ainda no domínio dos workshops, foi dinamizado um de introdução à impressão 3D, com Aurora Baptista e Rita Lobo da BEEVERYCREATIVE a desmistificar aquilo que é mais importante nesta tecnologia: a capacidade criativa possibilitada pela modelação 3D. Para mim, foi uma boa oportunidade para comparar experiências formativas, aprender elementos que desconhecia (quando se é autodidacta, há coisas elementares que escapam por completo), e ficar a conhecer pessoalmente estes dois elementos da dinâmica equipe da empresa que concebe estas excelentes impressoras 3D. Fiquei também a conhecer algumas novidades em termos de filamento disponibilizado. Os PET e o flexível vão ter aplicabilidade directa no projecto Anprino. Foi um momento de formação em que tive alguma dificuldade em estar calado. Com três workshops destes dados em duas semanas, entre a minha escola, Leiria e o Sci-Fi LX, estava algo entusiasmado. Espero não ter sido demasiado incómodo...
Depois do dia dedicado à formação, seguiu-se a reflexão. A conferência de encerramento contou com cerca de mil e duzentos participantes, que talvez tenham saído de lá a sentir-se algo defraudados. Este evento encerrava um projecto Erasmus, não sendo o âmbito normal do que se espera de uma conferência na Gulbenkian. O envolvimento desta instituição prende-se com o financiamento com que apoiou o trabalho desenvolvido na escola de Atouguia da Baleia. Quem veio à conferência esperando ouvir experts internacionais a partilhar dados sobre a escola do futuro, não teve o que esperava.
Da parte da manhã, mais institucional, retive elementos do discurso do secretário de estado da educação. Um, por reconhecer o papel que as abordagens grassroots estão a ter no domínio da inovação educacional, com maior projecção e interesse do que as habituais top down, que se têm traduzido em muito material que vai apanhando pó nas escolas. Outra, que me deixou transido, ao observar en passant que na sala de aula do futuro, até as artes têm o seu lugar, como forma de embelezar os robots. A sério? É essa a visão do papel das artes na inovação educacional com recurso a tecnologias? Embonecar o produto de outras áreas? Então e o papel da formação para indústrias criativas, dos processos de design e concepção que dependem de uma boa educação estética? Pelo menos, pela primeira vez ouvi alguém em Portugal a falar do A que faz falta às CTEM (isto em inglês soa melhor: STEAM).
Dos restantes, nada retive. Perdi o que consensualmente foi a interessante intervenção do Prof. António Figueiredo, e nas outras estive entretido a conversar com Manuel Moreira, responsável pelo projecto Arte Transformer. Partilhamos preocupações similares. Qual é o papel das tecnologias na educação artística. O porquê do alheamento dos professores ligados a estas áreas relativo ao que podem fazer com tecnologias. A inexistência de conceitos de educação potenciada por tecnologia que integrem contributos das artes. O uso de ferramentas digitais de expressão sem qualquer atenção às suas linguagens estéticas. O parco investimento em literacia visual. Note-se o quão raro é encontrar nestes eventos professores das áreas artísticas, o que se reflecte também nos tipos de trabalho e metodologias partilhadas. A que se deve este afastamento? Estar presos a uma visão tradicional das artes, muito ligada a um certo elitismo cultural e a meios de expressão clássicos, não ajuda.
O dia finalizou com a apresentação dos projectos desenvolvidos no âmbito da parceria entre escolas portuguesas, espanholas, búlgaras, italianas e polacas deste projecto Erasmus. É um momento sobre o qual tenho sentimentos conflituosos. Se, por um lado, pode ser interessante ver o resultado final deste tipo de projectos, por outro estamos a falar de projectar trabalhos dos alunos, com presença dos professores, para um auditório que, segundo as contas da organização, tinha mais de mil pessoas na assistência. Seria isto que esperavam, quando se inscreveram no congresso?
Se bem que esta é uma questão secundária. Sublinhe-se que pudemos assistir a uma concretização prática de trabalho multidisciplinar, em parceria entre escolas, que colocou alunos em contacto com diferentes realidades, os desafiou a usar tecnologias digitais em contextos colaborativos, abordando temas que vão do património às línguas. Em vez de apontamentos em apresentação, alguns dos produtos específicos. Nesse aspecto, esta partilha teve interesse. Não consigo, no entanto, não deixar de apontar a baixa qualidade dos vídeos apresentados. Não me refiro às metodologias específicas ou contextos de trabalho, onde nada tenho a apontar, mas à sua reduzida qualidade estética.
Criar vídeos é mais do que enfiar um conjunto de clips filmados dentro de uma app, aplicar um template e decorar com uma música da moda. Requer trabalhar técnicas de edição, linguagens de narrativa audiovisual. Surpreende-me que professores com óbvio elevado nível de exigência dentro dos contextos das suas áreas não os transponham para estes produtos finais, mostrando com orgulho recursos sofríveis do ponto de vista audiovisual e multimédia. É um vício muito comum, que tenho encontrado neste tipo de partilhas, a percepção que no que toca às estéticas basta usar a app, e a coisa fica embonecada.
São as agruras do pouco envolvimento (ou falta de) dos professores das áreas artísticas quer nestes projectos, quer na experiência de utilização de meios digitais com os seus alunos. Faltava ali alguém que tivesse ajudado professores e alunos a aprender técnicas de edição de vídeo e imagem. Dica: já repararam na duração média das curtas metragens? Especialmente naquelas que em menos de cinco minutos contam histórias que agarram os espectadores? É melhor nem me pronunciar sobre o trabalho de educação musical envolvido no acto de ok, vamos meter o mp3 da (inserir banda/cantor da moda entre os alunos) no vídeo para ficar mais bonito.
Destes dois dias, retiro aquilo que não quero fazer na minha prática. Este tipo de conceito de sala de aula do futuro, baseado em apps, com requintes de big data, que empacota a pergunta-resposta como revolução tecnológica, modelo centrado na recolha e processamento de informação, não serve ao tipo de trabalho que tento levar a cabo no âmbito das TIC em 3D. Não lhe nego a utilidade e eficácia nos contextos das áreas disciplinares mais teóricas, nem as rejeito. É importante aprender a pensar fora da nossa área, especialmente quando se pode auxiliar outros professores a tomar contacto com pedagogia potenciada por tecnologia. Pessoalmente, prefiro a metáfora makerspace, com espaços de criação prática a partir do conhecimento teórico, com diversidade de ferramentas para expressão das ideias dos alunos a partir de metodologias de resolução de problemas.
Que a escola tem de se abrir ao potencial trazido pelas tecnologias, procurando metodologias que reforcem a aquisição de conhecimentos, é algo que hoje é consensual. O como, nisto, não é de resposta fácil e está disperso em míriades de experiências e projectos um pouco por todas as escolas do país. Talvez porque não haja aqui metodologias unívocas, receitas one size fits all. Factor que torna mais preciosa a partilha de experiências, permitindo a todos os que querem inovar as suas práticas aprender e reflectir sobre os caminhos que intuem ser os mais apropriados. Foi essa a grande virtude deste encontro de dois dias no espaço da Fundação Gulbenkian.
(Nota final: depois disto tudo, continuo sem saber para que é que realmente servem as mesas multimédia com ecrã sensível ao toque. Vejo muitas fotos de mãozinhas de crianças sorridentes a tocar nas mesas, mas ainda não vi o que de facto fazem com elas. Note-se, crianças sorridentes ao pé/a olhar/a tocar em ecrãs é uma das iconografias mais virais e de longo historial quando se fala do futuro na educação. Fascinantes como imagem de comunicação, mas de um ponto de vista informado por literacia visual, são cardboard futures.)
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